terça-feira, 20 de maio de 2008

MARAVIROC

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou no País a entrada do Celsentri, nome comercial do Maraviroc, comercializado pela Pfizer em setembro de 20007. O anti-retroviral, que pertence a uma nova classe de medicamentos, atua na entrada do vírus da Aids nas células e ainda não tem previsão de distribuição pelo Sistema Único de Saúde. O remédio esbarra em um problema: conflito de interesse comercial. Isso acontece porque, antes de utilizar o medicamento, é necessário um teste para saber se um portador do HIV usa o co-receptor CCR5 (porta de entrada do vírus na célula) que é disponível em apenas um laboratório nos Estados Unidos.

O Maraviroc foi registrado recentemente pelo laboratório [Pfizer] no Brasil. A entrada dele no País não foi analisada pelo consenso terapêutico neste ano. Você precisa saber se o paciente tem indicação e, para isso, é necessário um teste de genotipagem do CCR5.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

EVENTOS

CONGRESSOS

VII Congresso Brasileiro de Prevenção das DST e Aids
25 a 28 de junho, no Centrosul, em Florianópolis, Santa Catarina.
Inscrições a partir de abril.
Informações: www.aids.gov.br/congressoprev2008

VII Congresso da Sociedade Brasileira de Doenças Sexualmente Transmissíveis e III Congresso Brasileiro de Aids
7 a 10 de setembro, em Goiânia—GO.
Inscrições de trabalhos até 30 de junho.
Informações: http://eventoall.com.br/dst2008/

12º Educaids
11 a 14 de junho, em São Paulo-SP
O evento pretende integrar profissionais de saúde e educadores que se interessem pela prevenção da aids, de outras DSTs e também do uso de droga.
O tema deste ano é “Preservar o mundo preservando o homem”.
Inscrições: http://www.apta.org.br/.

sábado, 19 de abril de 2008

PRESERVATIVO BRASILEIRO

Saúde inaugura primeira fábrica estatal de preservativos do Brasil
A primeira fábrica estatal de preservativos do Brasil, localizada em Xapuri, no Acre, será inaugurada nesta segunda-feira (07/04). A fábrica é a primeira do mundo a produzir preservativo com látex de seringueira nativa. Participam da cerimônia, às 16h (horário de Brasília), o secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Gerson Penna; o governador do Acre, Binho Marques; a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva; o secretário estadual de Saúde, Osvaldo de Sousa Leal Júnior; e o diretor-adjunto do Programa Nacional de DST e Aids, Eduardo Barbosa.
A fábrica tem capacidade para produzir 100 milhões de unidades de preservativos por ano. Com 2.664 metros quadrados de área construída, a fábrica tem espaço suficiente para aumentar o número de máquinas e ampliar a produção anual para 270 milhões de unidades de preservativo. A construção, que durou três anos, foi baseada nos conceitos de desenvolvimento sustentável, social e ambiental.
O empreendimento gera 150 empregos diretos e envolve 550 famílias da Reserva Extrativista Chico Mendes, responsáveis pela extração do látex para produzir o preservativo, cujo nome será Natex. A matéria-prima coletada fica em dez pontos de armazenamento, na floresta, até seguir para a fábrica.
O rendimento médio de cada seringueiro é de R$ 350 por mês. Com a fábrica, estima-se que essa população terá uma renda gerada de aproximadamente R$ 2,2 milhões por ano. Até o fim de 2008, o número de famílias envolvidas na extração do látex poderá chegar a 700. A atividade extrativista representa cerca de 83% da renda familiar dos habitantes do Acre.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Xapuri – terra do seringueiro Chico Mendes, assassinado em dezembro de 1988 – tem aproximadamente 15 mil habitantes, dos quais 25% são seringueiros que vivem na Zona Rural. Estima-se que, para a fábrica, serão extraídas 500 mil toneladas de látex por ano, o que corresponde a 8% da produção anual de todo o estado. Por ano, o Acre produz 6,2 milhões de toneladas de látex.
Ao todo, foram investidos R$ 31,3 milhões na construção da fábrica, na compra de equipamentos e no treinamento de mão-de-obra. Do total de recursos, R$ 19,7 milhões foram aplicados pelo Ministério da Saúde e pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Também foram investidos recursos do Ministério da Integração Regional, da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), da Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
, Produção nacional – A idéia de construir a fábrica partiu da necessidade de investir na indústria nacional de produção de preservativos, diminuindo a dependência de importação do insumo quase 100% dos preservativos distribuídos pelo Ministério da Saúde vêm de outros países, principalmente da Ásia, como China, Coréia e Tailândia. Hoje, o Brasil tem três produtores privados de preservativos.
Outro motivo que impulsionou a construção da fábrica é o fato de o Brasil ser rico em látex. Além disso, o Acre já desenvolve um amplo programa de incentivo ao desenvolvimento da cadeia produtiva de borracha natural, matéria-prima para a produção do preservativo. A borracha é o principal produto extrativista do Acre, de importância estratégica tanto para a conservação da biodiversidade quanto para o desenvolvimento social e econômico da região.
Benefícios – Com a produção da fábrica, o Ministério da Saúde pretende ampliar o acesso da população do país ao preservativo masculino. Em 2007, foram distribuídos 120 milhões de unidades.
A iniciativa também trará vantagens ao meio-ambiente, por meio do manejo sustentável da floresta, do uso racional dos recursos naturais e da incorporação de tecnologia adaptada à realidade das populações extrativistas. Além disso, nos 24 seringais que participam do projeto, localizados nos municípios de Xapuri, Brasiléia e Acrelândia, foram instaladas 200 unidades de saneamento básico (fossa e sumidouro) e 170 kits de energia solar em residências.
A decisão do empreendimento baseou-se em estudos de viabilidade técnica e econômica que envolveu a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Instituto Nacional de Tecnologia (INT), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Fundação de Tecnologia do Estado do Acre (Funtac) e outros órgãos do governo estadual, e a Cooperativa Agro-extrativista de Xapuri (Caex), além de empresas privadas.
Fonte:Programa Nacional de DST e Aids

sexta-feira, 11 de abril de 2008

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS II

Representações sociais sobre aids de pessoas acima de 50 anos de idade, infectadas pelo HIV1


Marislei BrasileiroI; Maria Imaculada de Fátima FreitasII
IMestre em Enfermagem, Coordenadora do Curso de Enfermagem da Universidade Paulista, Docente da Universidade Católica de Goiás, e-mail:
marislei@cultura.com.brIIPós-doutor em Sociologia da Saúde, Professor Adjunto da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, e-mail: peninha@enf.ufmg.br


RESUMO
Neste trabalho, analisa-se as representações sobre AIDS de 9 pessoas acima de 50 anos, infectadas pelo HIV. Da análise, surgiram representações: 'AIDS é uma ameaça constante de morte'. Essas foram categorizadas e nomeadas pelas falas dos entrevistados: 'médico nenhum pensa, primeiro, que a gente pode ter AIDS'; 'AIDS não é câncer'; 'ser velho e estar com AIDS é ser duplamente discriminado'. Os resultados mostram a importância da integralidade dos cuidados pelos serviços de saúde para diminuir o sofrimento psicossocial dessas pessoas.
Descritores: saúde do adulto; enfermagem; síndrome de imunodeficiência adquirida


INTRODUÇÃO
Chegar à idade avançada já não é mais privilégio de poucas pessoas. Porém, a preocupação não é com a longevidade hoje experimentada por muitos, mas com a boa qualidade de vida, sonhada por todos, privilégio de alguns.
Nessa busca por melhor qualidade de vida, o Estatuto do Idoso institucionaliza uma política social de valorização dos mais velhos no Brasil e questões diversas sobre a terceira idade são, cada vez mais, objeto de interesse dos pesquisadores das áreas da saúde, da educação, do direito e das ciências sociais, incluindo-se aí as questões ligadas à prevenção e ao controle do HIV/AIDS.
A Política Nacional do Idoso foi instituída através da Lei n.º 8.842, de 04/11/94, e regulamentada através do Decreto n.º 1948, de 03 de julho de 1996, com o objetivo de atender esse segmento da população. Algumas campanhas de prevenção contra a AIDSem idosos vêm sendo organizadas em cumprimento ao Artigo 10 do Capítulo IV, que visa garantir ao idoso a assistência à saúde, nos diversos níveis de atendimento do Sistema Único de Saúde, além de prevenir, promover, proteger e recuperar a saúde do idoso, mediante programas e medidas profiláticas(1) .
Frente aos avanços da tecnologia e da atenção à saúde, as pessoas da terceira idade vivem uma nova realidade nunca antes experimentada em outras épocas, nesse período da vida. No entanto, as pessoas com idade acima de 50 anos e com baixa escolaridade, quando infectadas com o HIV, tendem a manifestar os efeitos da imunodepressão de forma mais acelerada que as pessoas jovens, porque têm acrescido a AIDS, os efeitos de outras doenças que freqüentemente aparecem com a aproximação da terceira idade. Em se tratando de pessoas com 65 anos ou mais, os efeitos são ainda mais graves.
Além disso, há desinformação, preconceitos e dificuldades de acesso aos Serviços de Saúde, o que provavelmente contribui para o aumento dos casos de HIV/AIDS, além disso, há a subnotificação dos casos e o fato de a epidemia estar atingindo indivíduos com menor escolaridade. Esses fatores são constatados no trabalho quotidiano das pesquisadoras, ao lidarem com questões relativas à Saúde do Adulto e Idoso na prática dos serviços de saúde. Além desses de caráter mais geral, percebe-se também negação do risco de infecção pelo HIV nesse grupo, tanto por parte dos usuários dos serviços de saúde, quanto dos profissionais que atendem os idosos (2).
Em estudo recente, médicos do Hospital da Universidade de Chicago relatam, por exemplo, que "muitos profissionais que atendem idosos não conseguem associar AIDS e pessoas idosas, pois a questão da percepção do risco não existe ao se olhar essa população"(3).
Na ausência de vacinas, de uma cura efetiva para a síndrome e apesar do número de pessoas com idade acima de 50 anos com AIDSestar aumentando (4), pode-se constatar que há um vazio de conhecimento sistematizado sobre esse grupo, sobretudo no que diz respeito à qualidade de vida e enfrentamento da doença, incluindo-se aí as representações dessas pessoas em torno do acontecimento do HIV em suas vidas.
Estudos dessa natureza poderão contribuir para a discussão dos direitos das pessoas com idade acima de 50 anos, para melhorar o seu acesso aos serviços de saúde e ainda para subsidiar o desenvolvimento de ações de prevenção ao HIV/AIDS, especialmente aqueles do Programa de Saúde da Família.
Assim, pretendeu-se com o presente estudo analisar as representações sociais de pessoas com idade acima de 50, anos portadoras do HIV/AIDS, compreendendo como a existência dessa infecção está representada pelo sujeito que sofre a doença, com a finalidade de construir subsídios para novas formas de prevenção e controle da infecção.

MÉTODOS
O estudo foi de abordagem qualitativa, centrado na expressão da subjetividade dos sujeitos, utilizando-se a teoria das representações sociais. Na análise, buscou-se os núcleos centrais e periféricos(5) para quem as representações sociais são "elementos que se estruturam em torno de um núcleo central e de núcleos periféricos para a sistematização do conhecimento na busca do aprofundamento do objeto". Na pesquisa qualitativa, são extraídos resultados, como opiniões, atitudes, sentimentos e expectativas, que formam, no seu conjunto, a expressão social do grupo específico estudado, numa determinada sociedade e num determinado tempo, enfim, a influência das práticas sobre as representações (6) .
Referencial teórico
Todo indivíduo se desenvolve em uma realidade social, com necessidades e significados culturais, que moldam os próprios valores e que se expressam no quotidiano, por meio de representações sociais construídas, no senso comum, nas interações, nas ideologias e nos modos de viver das pessoas.
Forgas(7) apóia-se em Moscovici(8) para assinalar que a noção de representação social remete a um conjunto de conceitos, afirmações e explicações originadas no quotidiano, no curso de comunicações interindividuais, sendo equivalentes, em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais e podendo ser vistas como versão contemporânea do senso comum.
A descontração das conversas, a força dos argumentos encontrados no calor das discussões de fim de tarde, vão dando aos "faladores", ao mesmo tempo, competência enciclopédica sobre os temas da discussão: à medida em que a conversa coletiva progride, a elocução regulariza-se, as expressões ganham em precisão. E cada um fica ávido por transmitir o seu saber e conservar um lugar no círculo de atenção que rodeia aqueles que 'estão ao corrente', cada um se documenta e ali continua no páreo, familiarizando-se com o que não estava ainda conhecido.
Sob o ponto de vista da dinâmica da familiarização com o não-familiar, esclarece que as representações sociais envolvem dois processos: a objetivação (transformação do abstrato em algo quase físico) e a ancoragem (amarração)(8).
Para acessar essas representações propõe a Teoria do Núcleo Central, elaborada a partir da hipótese de que a organização de uma representação apresenta uma característica particular: não apenas os elementos da representação são hierarquizados, mas, além disso, toda representação é organizada em torno de um núcleo central, constituído de um ou de alguns elementos que dão à representação o seu significado. Essa teoria sugere que se pode conhecer com mais particularidade o caráter essencial de uma determinada representação.
Dessa forma, as representações direcionam a ação, ou seja, o modo pelo qual os indivíduos vislumbram a realidade determina a sua forma de estar no mundo. Assim, pressupõe-se que as maneiras de se prevenirem ou de se cuidarem, após a infecção, estão no cerne da subjetividade das pessoas que vivem a experiência de ter HIV/AIDScom idade acima de 50 anos. Tal experiência vem carregada de crenças e valores que organizam o seu comportamento face à enfermidade.
Muitas vezes, no cotidiano, as pessoas somente percebem o risco e a gravidade de uma enfermidade quando são por ela acometidas e "se antes não havia risco, nem de adoecimento, com a doença, o risco é visualizado como sendo de morte". Dessa forma, as atitudes das pessoas frente a uma enfermidade grave, mesmo que seja uma pandemia, nem sempre vêm acompanhadas da percepção de que são susceptíveis de se infectarem, o que leva, por vezes, à negligência quanto aos modos de prevenção.
Sujeitos da pesquisa
As entrevistas foram realizadas com 9 pessoas soropositivas para HIV/AIDS, internadas em um hospital público de Goiânia, Goiás, entre agosto e dezembro de 2003. O número de entrevistados não foi definido a priori, totalizando 9 (nove) ao final, sendo 2 com 52 anos de idade, 3 com 60 anos e 4 com 64 anos de idade. Utilizou-se o critério de saturação dos temas tratados pelos participantes para interrupção da coleta. Os entrevistados optaram por conceder a entrevista no próprio hospital em que estavam internados, e nos dois serviços de apoio ao doente de AIDSda capital.
Aspectos éticos
Um formulário de consentimento livre e esclarecido, contendo as informações sobre o estudo e as condições de participação, foi apresentado aos participantes para ser assinado, conforme a Portaria 196/96 do Conselho Nacional da Saúde(9). Não houve nenhuma negativa por parte dos entrevistados, que se dispuseram a falar sobre si mesmos, salvaguardando suas identidades, com uso de códigos para a análise e apresentação dos resultados.
Os participantes foram informados sobre os objetivos da pesquisa e sobre o aspecto voluntário da participação, com preservação do anonimato, e ainda sobre o direito de se retirarem do estudo em qualquer momento sem sofrerem nenhuma pressão ou prejuízo no acompanhamento pelos serviços de saúde e de apoio social.
Além disso, vale lembrar que a pesquisa de cunho sociológico é, antes de tudo, uma forma de expressar, de forma sistematizada, a visão e a história de vida das pessoas, sendo fundamental, portanto, manter respeito profundo por seus depoimentos, da coleta à análise.
Coleta de informações
As informações foram obtidas em discurso oral, face a face, mediante entrevista aberta e em profundidade, com o uso de gravador áudio e as fitas cassete foram codificadas e guardadas pelas pesquisadoras, devendo ser destruídas após a publicação dos resultados.
Após a autorização do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais e das instituições pesquisadas, a coleta de informações foi realizada no Hospital de Doenças Tropicais, no Condomínio Solidariedade e no Centro de Apoio de AIDS, em Goiânia, com pacientes da capital e de cidades próximas: Aparecida de Goiânia, Rio Verde, Piracanjuba, Edéia e Santa Rosa.
Análise das informações
Fundamentando-se na lógica da trajetória subjetiva(10), buscou-se, através da análise da narrativa, a desconstrução e a reconstrução dos discursos, extraindo, assim, as categorias de análise.
Após a transcrição literal dos depoimentos dos participantes, foram realizadas, com base na teoria das representações sociais, a leitura e a releitura deles, atentando-se para o processo de leitura horizontal de cada entrevista, procurando-se no conteúdo do texto as informações relativas às representações para uma primeira categorização empírica, mediante os temas abordados pelo próprio sujeito.
Logo após, todos os segmentos coincidentes em torno de um mesmo objeto do discurso foram agrupados, nomeando-se provisoriamente cada grupo de segmentos, quando se buscou a segunda categorização empírica.
Com base na categorização empírica, foi feita uma leitura transversal do conjunto de entrevistas, mediante a organização do conteúdo em blocos temáticos, sendo considerados os reagrupamentos de cada entrevista e comparados às conjunções e às disjunções do conjunto de entrevistas.
Nesse sentido, a análise seguiu os seguintes passos(11-12): transcrição fiel das entrevistas gravadas em áudio, leitura vertical, elaboração de um 'parágrafo' que sintetize a fala do sujeito, análise horizontal, nomeação das seqüências, primeira categorização, busca dos elementos centrais e periféricos das representações por densidade na estrutura do discurso, elaboração de um esquema hierárquico das representações, análise aprofundada com leituras de outros autores sobre as representações encontradas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Do grupo estudado participaram quatro mulheres heterossexuais e cinco homens, com idades entre 52 e 65 anos, sendo que dois homens apresentaram-se como heterossexuais e três afirmam fazer sexo com homens; todos se apresentaram como pobres e tendo como nível de escolaridade somente o primeiro grau incompleto.
O grupo é composto de solteiros, viúvos ou desquitados, isto é, sem vínculo com um parceiro estável e na categoria de exposição, há predominância de exposição sexual (oito deles) e uma pessoa que acredita também ter sido por essa via, mas não tem certeza por ter sido usuária de drogas. O grupo está, portanto, dentro do perfil epidemiológico da AIDSno Brasil, como descrito nas estatísticas do Ministério da Saúde(4), que revelam número maior de pacientes infectados pela via sexual. A infecção pelo HIV é passível de atingir homens e mulheres de qualquer idade, cor e condição social, religião e nacionalidade, sendo o comportamento sexual a principal via de transmissão, como já descrito pela epidemiologia desde os anos 90 do século XX.
Quanto ao uso do preservativo, os entrevistados afirmam que não faziam uso de preservativo, antes de serem infectados pelo HIV.
Por meio do relato dessas pessoas, identificadas no texto por E1, E2..., buscou-se, neste estudo, discutir como a existência do HIV/AIDSestá representada pelo sujeito que sofre a doença. A opção pela Teoria das Representações Sociais e, basicamente, a busca do núcleo central e do sistema periférico, isto é, do que é fixo, 'duro', mas não imutável, e o que é móvel e flexível e, por isso mesmo, passível de mudanças mais rápidas, nas representações em torno da experiência da doença, permitiu a identificação dessas representações, discutindo-se também como elas estão se refletindo no cotidiano dessas pessoas(6) .
O sistema periférico das representações em torno da infecção pelo HIV
"Médico nenhum pensa, primeiro, que a gente pode ter AIDS"
A análise das falas dos entrevistados aponta a existência de uma representação sintetizada na frase: ninguém desconfia que velho tem (AIDS) (E6), o que parece dificultar a definição diagnóstica: Aí internei, depois saí do hospital e continuava a mesma diarréia e perda de apetite[...] o médico não achava nada[...] não pedia nada. Médico nenhum pensa primeiro que a gente pode ter AIDS. (E1); Fui num médico, fui noutro, ele tirou radiografia. O remédio que eu estava tomando parece que era errado[...] Disseram que era herpes e que precisava de otorrino. Aí foi que eu fui no otorrino e ele me indicou para o doutor que pediu o exame desse trem que oceis fala. Eu fiquei no hospital onze dias, eu não vi o exame, a dotora só falou, não me mostrou. Eu também nem podia imaginar que tinha. (E7).
A experiência dos sujeitos os leva a representar o médico como aquele que não sabe o que ele tem e nem o encaminha corretamente para a definição do diagnóstico. O paciente, de seu lado, não se supõe infectado, ou não quer imaginar isso. Forma-se, desse modo, um ciclo vicioso, no qual se inclui o fato de que o médico não acredita que o idoso possa estar infectado com o HIV e, por isso, não pede o exame imediatamente diante dos primeiros sintomas. O paciente também não acredita no médico, porque não é atendido como gostaria. Dessa forma, sem seu problema resolvido, sem condições e nem conhecimento para resolver sozinho, caminha para o agravamento dos sintomas, culminando, muitas vezes na morte do sujeito.
Assim, faz-se necessário reelaborar continuamente o trabalho de prevenção, que é também da ordem de repensar o que está constituído culturalmente, buscando ultrapassar os limites da simples informação, construindo atividades de educação em saúde que sejam eficazes para profissionais e população.
"AIDS não é câncer"
Continuar vivendo é um desejo para a maioria, após um período mais ou menos longo de desespero. Representações sociais sobre outras doenças surgem, como forma de comparação: Cê tem que levantar a cabeça e continuar, porque isso não é o fim do mundo, pior é um câncer que te mata de uma hora prá outra, né ? (E1); Pelo menos num é um câncer. Porque esse trem é o seguinte, a doutora falou que se eu tomar os remédios direitinhos, o coquetel, eu num saro, mais tem cura. Posso viver de dez a vinte anos, agora se fosse um câncer, cê mexeu acabou, o câncer é fatal. (E7); Não é um câncer, né, mas se fosse eu podia até falar disso mais fácil! (E1).
Tais argumentos mostram que os sujeitos relacionam o câncer com a AIDS, representando as duas doenças numa escala de gravidade, provavelmente devido ao fato de que a AIDSé uma doença nova e o câncer é uma doença concretizada como perigosa, que mata. Porém, pode-se supor que a referência comparativa com o câncer é somente uma forma de se construir uma esperança para sua situação, fundamentando-se num imaginário social, que não é tão forte assim, fazendo com que a AIDSse torne mais aceitável que o câncer, que é doença que 'tira pedaço' e é fatal logo depois de diagnosticado (E7). Tal representação expressa, pois, uma reação da pessoa infectada pelo HIV frente à sua contaminação, como um mecanismo de defesa ao falar que há situações piores que a AIDS, no caso, o câncer.
A comparação da AIDScom o câncer aparece, também, para apontar as dificuldades relativas ao medo de ser descoberto e de ter desvelado a sua sexualidade, a AIDStrazendo a representação de ser doença de homossexual masculino: Na minha situação (pelo fato de ter relações sexuais com outros homens), do jeito que eu vivo, todo mundo que fica sabendo vai logo pensando mal... (E1).
A AIDS foi nomeada, inicialmente, como 'um câncer gay', sobre o qual se criou medo generalizado, sobretudo pelo fato de que estar infectado significava mostrar sua homossexualidade e ser condenado socialmente. Se é um câncer, mas não um 'câncer gay', fica mais fácil declará-lo é o que se escuta da fala de E1.
Nesse sentido, já não se ouve mais dizer que a AIDS é 'um câncer gay', mas o preconceito sexual permanece. Continua-se a descrever as possibilidades de realização afetivo-sexual homoeróticas como doença, anomalia, neurose, perversão etc. Com isso, querendo ou não, cria-se problemas morais graves para muitos indivíduos com esse tipo de opção sexual, que vão refletir na forma como reagem diante da infecção pelo HIV, buscando esconder suas situações de vida.
Os núcleos mais próximos do centro
Essas representações fazem parte do sistema mais periférico, já apresentado, e conservam a especificidade relacionada à idade, mas têm os mesmos fundamentos das representações sobre AIDS na população em geral.
"Ser velho e estar com AIDS é ser duplamente discriminado"
Ninguém mais me quer, ninguém quer chegar perto de mim. Todo mundo que me via, falava: 'olha lá: esse é HIV!' Um mostra pro outro, sabe? No começo era desse jeito e agora, não tô nem aí... (E2); Depois que eu fiz o exame veio o preconceito: minha família descobriu, os vizinhos todos descobriram [...] Povo besta! [...] Aí já começou a me discriminar, me jogar pra lá (E1). Agora que estou velho, ainda mais com isso, quem vai querer ficar perto de mim? (E4). Percebe-se, dessa forma, que as interações em torno da existência da infecção pelo HIV são fundadas mais na desconfiança e no fechamento do que na confiança e no desvelamento. A AIDS é uma ameaça de solidão e isolamento, haja vista que os entrevistados se referem freqüentemente à necessidade de se contar com suporte afetivo e material da família e dos amigos no momento em que mais precisam, mas sem a certeza de que isso irá ocorrer.
Ao entrar no processo de envelhecimento, a pessoa teme e vive formas sociais de discriminação, o que é agravado por se saber infectado pelo HIV, trazer consigo as representações sociais sobre a doença e se deparar com atitudes discriminatórias fundadas nelas. Sobre a discriminação existente ou imaginária, constata-se que "a não aceitabilidade é, em grande parte, ditada por aquelas práticas que diferem do status quo e por isso o subvertem. As representações sociais que constroem o 'outro' como aberração têm conseqüências para a prática. Elas permitem que esse 'outro' seja maltratado e discriminado: a subordinação daquelas pessoas, cujos sistemas de valores, práticas e identidades são diferentes, passa a ser apenas um desdobramento justo de uma lei considerada 'natural'".
O preconceito vivido e o medo de sofrê-lo estão presentes nos discursos dos entrevistados ao se referirem, por exemplo, ao mundo do trabalho, de forma acentuada. Esses compreendem a doença como mais um empecilho para o trabalho frente ao risco de serem também aí discriminados: As pessoas que trabalham lá vão falar: 'eu não, ele vai me contaminar. (E1); Eu estou com essa doença e o preconceito é muito grande. Trabalho, mas tenho contrato provisório, se descobrem, amanhã ou depois posso ser mandado embora e aí como é que eu vou sobreviver com essa idade, com essa doença e sem trabalhar? Não é fácil (E5).
Os entrevistados, no entanto, querem se sentir úteis e produtivos, capazes de se sustentar, mas se sentem diminuídos, com a doença se tornando mais um agravante de suas condições socioeconômicas precárias. Se se considerar que muitos daqueles que hoje vivem com HIV são pessoas sem nenhum tipo de especialização profissional, como no caso dos entrevistados, não é necessário ser pessimista para afirmar que a miséria só tende a se acentuar entre os portadores do HIV.
Espera-se que, com a idade, as pessoas possam se aposentar, mas as dificuldades são muitas para que isso aconteça, considerando-se, sobretudo, a precariedade das atividades profissionais das pessoas participantes do estudo. O que acaba por existir, de fato, é a possibilidade de se aposentarem somente por idade ou, com a doença, possibilidade de aposentadoria por invalidez, o que as pessoas entrevistadas, em sua maioria, gostariam, mas antes de adoecerem gravemente, já que não ganham suficientemente para o sustento e nem vislumbram perspectivas de conseguirem trabalho.
De uma maneira mais ampla, a aposentadoria, no Brasil, deixou de ser o marco que somente indicava aqueles que não tinham mais condição de realizar um trabalho produtivo. Hoje, muitos dos aposentados são pessoas que enfrentam, de um lado, a perda de papéis sociais à qual nem sempre conseguem adaptar-se e, de outro, uma sociedade que ainda tem uma imagem do idoso como uma pessoa muito vulnerável, mesmo que isto não seja verdadeiro. Porém, pode-se afirmar, pela análise das entrevistas, que as pessoas participantes do estudo têm uma vulnerabilidade econômico-social elevada, aumentada pela AIDSe pelas suas representações sociais, como afirma um dos entrevistados: ser velho e ter AIDSé ser duplamente discriminado. (E3).
O núcleo central
O núcleo mais central é aquele considerado mais rígido, o qual foi se sedimentando com o passar do tempo e com o reforço das informações veiculadas pelas conversas do cotidiano e pelas numerosas interações sociais. Acredita-se que tal núcleo seja o mais difícil de demover e menos acessível às campanhas de informação. Para os sujeitos com idade acima de 50 anos, o núcleo mais central a respeito da AIDS é de que a doença é uma ameaça constante de morte.
AIDS é uma ameaça constante de morte
A AIDS encarna a mais recente representação do mal do imaginário social do Ocidente e aparece no espaço público como uma morte anunciada. Para o autor, as figuras da lepra e da peste produziram dois grandes modelos de regulação do mal: para a primeira, a exclusão social e para a segunda, "a medicalização e a normatização massivas das redes sociais".
No caso dos entrevistados da presente pesquisa, expressões recorrentes do tipo se não for forte, você não agüenta não (E1), A AIDS é horrível, parece que é uma sentença de morte. Acho que essa é uma doença do século, que veio para deteriorar (E4), quanto mais velho a gente vai ficando, mais perto da morte está, né? Com esse 'trem' a gente pensa que vai mesmo mais rápido ainda (E2), explicitam a ameaça constante, tanto a idéia de ser uma doença fatal, como a insegurança a respeito da qualidade de vida, o "vai-e-vem" que resulta em que cada ano se vai decaindo mais (E5). Isso tudo significa a presença aguda da possibilidade de morte em curto espaço de tempo, mesmo que haja o contraponto advindo do uso dos anti-retrovirais e a esperança da cura, em longo prazo.
Nesse sentido, os entrevistados apontam para formas de resistência que os levam a suportarem essa ameaça constante de morte, que podem ser sintetizadas em desafio, heroísmo ou esperança. Uma forma de desafio frente às suas próprias condições; uma visão de heroísmo sobre si mesmos e a esperança de que a ciência encontrará a cura. Esses três mecanismos revelam a busca pela qualidade de vida na sobrevivência, combatendo o medo de morrer, a opressão e a subjugação à incurabilidade da AIDS que, coletivamente, se expressa no trabalho das associações, grupos de apoio, organizações não-governamentais e serviços de saúde(13). Esses participam na melhoria da qualidade de vida dos pacientes e muito podem contribuir para reconstruir socialmente as representações acerca da infecção pelo HIV/AIDS.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer da análise dos discursos foi possível compreender como a experiência com o HIV/AIDS é difícil e complexa e como são muitas as limitações da vida familiar e social dos sujeitos participantes. A análise das representações sociais, com a identificação do sistema periférico, com imagens mais distantes e mais próximas do núcleo central, permitiu desvelar que a presença da morte como uma ameaça constante concentra todas as outras representações em torno da doença e seu tratamento.
O conjunto aponta uma situação de vida das pessoas acima de 50 anos infectadas pelo HIV fundada no isolamento social, pelo medo de ser discriminado ou tê-lo sido, por ser infectado e caminhar para a velhice, pela falta de trabalho e de perspectivas concretas no quotidiano, além das dificuldades para manter o tratamento, desconfiança em relação aos profissionais de saúde, entre outras. As representações subjacentes a isso, encontradas na análise, mostram que ainda há muito que se fazer para romper com o senso comum e o imaginário contrários aos direitos de cidadania e às possibilidades de melhoria concreta da qualidade de vida dessas pessoas. Para tal, faz-se necessário elaborar ações que não se restrinjam ao tratamento medicamentoso, mas envolvam atividades multiprofissionais, transdisciplinares e intersetoriais, que respondem à problemática vivida pela pessoa infectada e de seus familiares, além de políticas de prevenção, tanto de cunho individual como coletivo, que levem à reconstrução das representações, retirando das subjetividades correntes as posturas de rejeição, de preconceito e de abandono atuais.
Os resultados do presente estudo também chamam a atenção para a importância da capacitação adequada dos profissionais da saúde para lidar com pessoas com idade acima de 50 anos e soropositivos para HIV/AIDS. Não basta entendê-los de maneira menos biologicista, faz-se necessário compreender o que se passa no imaginário dessas pessoas, criar espaços de possibilidade de interações francas, de acompanhamento constante e de suporte intersetorial, que permitam atenção efetiva, também social, das pessoas com idade acima de 50 anos infectadas pelo HIV.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Política Nacional do Idoso 1996, Pub. L. no. 8842, (Dec.10,1996). [
Links ]
2. Gorzoni M. Síndrome de imunodeficiência adquirida em pacientes acima de 50 anos de idade internados em um hospital Geral. Folha Médica 1997 novembro/dezembro; 107 (5/6): 191- 4. [
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1 Trabalho Extraído da Dissertação de Mestrado

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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Representações sociais do HIV/AIDS entre adolescentes: implicações para os cuidados de enfermagem*

Social representations on HIV/AIDS among adolescentes: implications for nursing care

El VIH/SIDA en las representaciones sociales de adolescentes: implicaciones para la asistencia de enfermería


Maria Aparecida ThiengoI; Denize Cristina de OliveiraII; Benedita Maria Rêgo Deusdará RodriguesIII
IMestre em Enfermagem, Professora Adjunto da Faculdade de Enfermagem Bezerra de Araújo.
mapthiengo@uol.com.br IIDoutora em Saúde Pública, Professora Titular de Pesquisa do Departamento de Fundamentos de Enfermagem da FENF/UERJ. dco@uerj.br IIIDoutora em Enfermagem, Professora Titular de Enfermagem Pediátrica do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil da FENF/UERJ. bene@uerj.br
Correspondência


RESUMO
Objetivando-se discutir as implicações das representações sociais do HIV/AIDS para as relações interpessoais e práticas de proteção entre adolescentes, foram realizadas 15 entrevistas semi-diretivas com adolescentes, portadares e não portadores do HIV, atendidos em um Hospital Escola do Rio de Janeiro. Para análise dos dados utilizou-se o software ALCESTE 4.5 que realiza uma análise hierárquica descendente de material textual. Observou-se que a representação social da AIDS estrutura-se em torno de cognições ligadas à prevenção, revelando uma contradição entre os conteúdos de conhecimento e as práticas relatadas pelo grupo. Sugere-se que as práticas de enfermagem devem ter como objetivo reduzir a distância entre práticas, representações e o conhecimento científico.
Descritores: Síndrome de imunodeficiência adquirida (prevenção e controle). Síndrome de imunodeficiência adquirida (enfermagem). Promoção da saúde. Saúde do adolescente
ABSTRACT
With the objective of discussing the implications of the social representations of HIV/AIDS for the interpersonal relations and the practices for protection among adolescents, 15 semi-directive interviews were carried out with adolescents, both with and without HIV, assisted at a Hospital School in Rio de Janeiro. The software ALCESTE 4.5 was used for the data analysis. It was observed that the social representation of AIDS is structured around cognitions connected to prevention, revealing a contradiction between the knowledge and the practices reported by the group. It is suggested that the nursing practices should be directed towards the reduction of the distance between practices, representations and scientific knowledge.
Key words: Acquired immunodeficiency syndrome (prevention and control). Acquired immunodeficiency syndrome (nursing). Health promotion. Teen health.
RESUMEN
Este trabajo tuvo como objetivo trazar el perfil de la representación social del VIH/SIDA e indicar sus implicaciones en las relaciones interpersonales y prácticas de protección de adolescentes. Se realizaron 15 entrevistas semidirectivas con adolescentes, portadores y no portadores del SIDA, atendidos en un Hospital Escuela de Rio de Janeiro. Para el análisis de datos se utilizó el software ALCESTE 4.5 que desarrolla un análisis jerárquico descendente de textos. Se observó que la representación social del sida se organiza alrededor de cogniciones vinculadas a la prevención, revelando una contradicción entre el contenido del conocimiento y las prácticas relatadas por el grupo. Se sugiere que las prácticas de enfermería tengan como objetivo reducir las distancias entre prácticas, representaciones y el conocimiento científico.
Descriptores: Síndrome de inmunodeficiencia adquirida (prevención y control). Síndrome de inmunodeficiencia adquirida (enfermería). Promoción de la salud. Salud de los adolescentes.


INTRODUÇÃO
Os adolescentes constituem um grupo que vem, nos últimos anos, apresentando grande vulnerabilidade e exposição à situações de riscos físicos, emocionais e sociais, sendo a infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) uma importante forma de expressão desta vulnerabilidade.
No mundo todo, um entre 20 adolescentes contrai algum tipo de doença sexualmente transmissível (DST) a cada ano. Diariamente, estima-se que mais de sete mil jovens são infectados pelo HIV, num total de 2,6 milhões por ano, o que representa a metade de todos os casos registrados. Calcula-se que 10 milhões de adolescentes vivem hoje com o HIV ou estão propensos a desenvolver a AIDS nos próximos 3 a 15 anos. Aproximadamente, 80% das transmissões do HIV decorrem de práticas sexuais sem proteção. Vale ressaltar que, na presença de uma DST, o risco de transmissão do HIV é 3 a 5 vezes maior(1).
Portanto, por ser a AIDS uma doença transmissível e, até o momento, incurável, cujos índices vêm aumentando no mundo inteiro, deve-se considerar que os componentes efetivos para o seu controle e prevenção são a informação e a educação. Dessa forma, torna-se imprescindível pensar na AIDS como uma doença cada vez mais presente nas instituições de saúde, sendo indispensável aos profissionais de saúde, particularmente aos enfermeiros dispor de conhecimentos e habilidades pedagógicas em atividades com vistas à educação, ao controle e à prevenção da transmissão do HIV. Assim, as alternativas educacionais com vistas à sua prevenção devem estar pautadas em orientações cuja essência seja a valorização da vida e a construção das alternativas de prevenção num clima de liberdade, responsabilidade e solidariedade humana(2).
Nesse sentido, refletir sobre os aspectos psicossociais da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) traz implicações importantes, particularmente no campo da enfermagem, para as práticas de promoção da saúde, especificamente de prevenção do HIV/AIDS, bem como para o cuidado dos jovens que já desenvolveram a imunodeficiência.
O estudo das representações sociais da AIDS apresenta-se como uma questão relevante, dada a necessidade de uma maior integração do enfermeiro e dos demais membros da equipe multiprofissional no desenvolvimento de atividades com vistas à promoção da saúde dos adolescentes, no contexto individual e coletivo.
Considerando que representações e práticas estabelecem uma relação estreita de ligação, determinando comportamentos e atitudes específicas diante do problema(3), entende-se que o sentido que o adolescente, enquanto grupo, atribui ao HIV/AIDS pode determinar posturas de maior ou menor auto-cuidado na saúde ou de adesão às práticas de prevenção.
Dessa forma, o estudo tem como objetivo geral analisar as implicações das representações sociais da AIDS entre adolescentes de 12 a 20 anos para as relações interpessoais e para as práticas de proteção. Pretende-se assim, fornecer subsídios ao campo da enfermagem, para a proposição de ações educativas junto ao grupo de adolescentes, com vistas à prevenção do HIV/AIDS, a partir das suas representações.

METODOLOGIA DO ESTUDO
Para fins deste estudo, utilizou-se uma abordagem quali-quantitativa, fundamentada na Teoria de Representações Sociais, na sua vertente moscoviciana(4-6). O campo escolhido para o desenvolvimento do estudo foi o ambulatório de um Hospital Escola do Estado do Rio de Janeiro, por ser um centro de referência na assistência integral à saúde de adolescentes. As entrevistas foram realizadas no mês de julho do ano de 2000, às quartas-feiras, nos períodos da manhã e da tarde, horário da consulta médica dos adolescentes, com registro feito com o uso do gravador. A captação dos adolescentes foi feita na sala de espera do ambulatório, mediante convite informal e o consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, seguido de assinatura do documento de autorização, conforme preconizado na resolução 196/96. A transcrição das entrevistas foi feita pelo próprio entrevistador, ao término de cada encontro.
Utilizou-se como técnica de coleta de dados a entrevista semi-diretiva. Para a obtenção dos dados foi elaborado um roteiro temático, composto de 16 temas, para orientação das entrevistas. Esse roteiro foi construído a partir de três dimensões supostamente presentes na representação social: conhecimentos e atitudes acerca do HIV/AIDS; práticas e relações sociais como elementos comportamentais; formas de enfrentamento como elemento afetivo implicado nas representações sociais. Foi elaborado também um questionário para coleta de dados de identificação e dados sócio-demográficos do entrevistado, como idade, sexo, escolaridade, inserção no mercado de trabalho, estado marital, local e condiçoes de moradia, e situação familiar.
Para análise das entrevistas utilizou-se o software ALCESTE 4.5 que permite realizar a análise de conteúdo mecanizada, através da técnica de análise hierárquica descendente de conteúdo textual(7). O ALCESTE é um software criado na França em 1979 por Max Reinert, para o sistema operacional Windows, que possibilita analisar quantitativamente os dados textuais, tendo por base as leis de distribuição do vocabulário nos textos transcritos ou escritos.
O ALCESTE trabalha com um único arquivo em formato texto (extensão txt), que constitui o corpus de análise. Este arquivo pode ser um texto ou um conjunto de textos, digitado no Word, utilizando-se fonte Courier 10 e espaçamento simples, com no mínimo 1000 linhas de 70 caracteres cada uma, ou cerca de 70.000 caracteres, que representam em torno de 20 páginas de texto.
O autor(7) denominou este arquivo de unidades de contexto iniciais (UCI). As UCI podem ser definidas de acordo com o pesquisador e com a natureza dos seus dados textuais. Neste estudo, como os dados provêm de entrevistas, cada entrevista foi considerada uma UCI. O conjunto de UCI constituiu o corpus de análise, processado pelo programa.
Para organizar o material verbal, as entrevistas foram separadas umas das outras, pela inclusão de uma linha de comando, também chamada de "linha com asteriscos". Esta linha de comando, presente no início de cada entrevista, informa o número de identificação do entrevistado e as variáveis referentes a cada UCI. Neste estudo as variáveis utilizadas foram: idade, sexo, inserção no sistema de ensino e no mercado de trabalho, estado marital e condição sorológica (se portador ou não do HIV/AIDS)
(a).
Tendo identificado as linhas de comando, o ALCESTE, dividiu o material em Unidades de Contexto Elementar (UCE). As UCE são pequenos segmentos de entrevista, normalmente do tamanho de 3 linhas, dimensionadas pelo programa, em função do tamanho do corpus, respeitando a pontuação e a ordem de aparição no texto. O conjunto de UCE formam classes de palavras, segundo a distribuição do vocabulário destas UCE. A significância estatística das palavras dentro das classes é medida por uma estatística qui-quadrado (x2) ao nível de 5%. Ressalta-se que estas classes de palavras podem estar indicando representações sociais ou não, entretanto, são os seus conteúdos e a relação deles com fatores ligados à pesquisa que vão definir se elas indicam ou não representações sociais.
Os resultados da análise de conteúdo foram expressos em classes discursivas, que contém temas identificados no material analisado. A análise dos dados apontou cinco classes discursivas, cujo perfil foi apresentado em forma de um dendograma, no qual pode-se observar os pontos de divisão das classes (resultante da análise hierárquica descendente), sua descrição em termos quantitativos (palavras típicas de cada classe e grau de associação), bem como, a associação de cada classe às variáveis utilizadas.
Como resultados complementares foram apresentadas UCE características de cada classe. Os trechos destacados das entrevistas foram identificados pelo número atribuído ao sujeito e a letra M ou F referindo-se ao sexo masculino e feminino, a idade do sujeito e o código G+ ou G-, conforme se trate de portadores do HIV/AIDS ou não portadores, respectivamente.
Participaram deste estudo 15 adolescentes, com idades entre 12 e 20 anos, portadores e não portadores do HIV/AIDS. Destes, 8 são do sexo feminino e 7 do sexo masculino, 12 não trabalham e 11 freqüentam alguma escola. Quanto à sorologia e à atividade sexual, 9 são soronegativos (não portadores do HIV/AIDS) e destes, 3 têm atividade sexual. Dentre os 6 adolescentes soropositivos (portadores do HIV/AIDS), 4 têm atividade sexual. Em relação ao local de moradia dos entrevistados, a maioria dos adolescentes reside em comunidades pobres, situadas no município do Rio de Janeiro. Quanto à situação familiar, 6 adolescentes moram com os pais, 3 moram com os avós e/ou irmãos e primos, 3 moram com a mãe (separada do pai), 1 mora com a parceira e a filha, 1 mora com o pai (separado da mãe) e 1 mora com amigos. Com relação ao sustento e às condições materiais dos entrevistados, todos procedem de família de baixo poder aquisitivo, sendo que a maioria vive da renda dos pais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O corpus de análise foi composto por 15 entrevistas ou unidades de contexto inicial (UCI). O ALCESTE dividiu o corpus em 730 unidades de contexto elementar (UCE), que representam as unidades de análise de texto, normalmente do tamanho de 3 a 5 linhas, dimensionadas pelo programa em função do tamanho do corpus, respeitando a pontuação e a ordem de aparição no texto. As UCE continham 3.053 palavras, formas ou vocábulos distintos. Após a redução dos vocábulos aos seus radicais, obtiveram-se 498 palavras analisáveis e 331 palavras instrumentos, totalizando 829 palavras. As 498 palavras analisadas ocorreram 10.780 vezes, cada uma dessas palavras contribuiu para a cons tituição do corpus, com uma média de 10 repetições.
Das 730 UCE em que o corpus foi dividido, foram selecionadas 573 UCE, ou seja, para a análise foram considerados 78,49% do total do material.
O perfil das cinco classes identificadas pode ser observado na
Figura 1. Cada classe foi submetida a uma análise qualitativa, a partir da qual foram nomeadas, segundo o conteúdo que revelam.
CLASSE 1: A AIDS como "Sintoma"
Esta classe, composta por 131 UCE (22,86%), apresentou associação significativa com a variável "portadores do HIV/AIDS". Através dos conteúdos das UCE e das palavras típicas da classe, observa-se o predomínio da noção de "aids é uma doença ruim, que não tem cura e que mata", refletindo uma dimensão negativa da representação social da AIDS.
A classe 1 revela que os adolescentes associam o aparecimento dos sintomas ao início do processo de morte, descrevendo o aparecimento da sintomatologia como uma tomada de consciência da doença e da própria morte. Tudo se passa como se a doença não fosse letal ou não existisse, antes da sua presença física observável, "transformando-se" em "outra coisa" a partir do aparecimento dos sintomas.
Conforme retratado nas falas dos entrevistados, emagrecimento, queda de cabelo e manifestações dermatológicas são apontados como indícios do aparecimento dos sintomas, concretizando a condição de soropositividade, que por sua vez é associada à morte. Parece configurar-se, nesse processo, um jogo de "casa dos espelhos", onde ao mesmo tempo as imagens se transformam e se repetem. Assim, pode-se observar que os adolescentes têm consciência de que os sintomas, inevitavelmente, irão aparecer, o que representa não ser possível negar a sua condição de soropositividade, tornando pública a doença, mas, ao mesmo tempo, crêem em dois estágios da doença, um no qual existe esperança de vida e outro em que a morte é iminente e incontornável. Esta classe, portanto, revela a ambivalência vida/morte, presente em todos os estágios da infecção e da doença, nas representações dos entrevistados.
Exemplo de uma UCE típica da classe pode ser observado:
... um morreu, um está vivo (os colegas que contraíram da mesma parceira), estão aparecendo os sintomas agora. O rosto dele está ficando dilatado, a pele dele está ficando irritada, ele está emagrecendo, os sintomas estão aparecendo nele já. (9m, 20 anos, G+)
A percepção da AIDS como uma doença que não tem cura e que mata mostrou-se muito presente nas falas dos entrevistados. O adolescente associa a AIDS à morte, à uma fatalidade que se manifesta de forma rápida e inevitável. Uma vez desenvolvidos os sintomas, o HIV se "transforma" em AIDS, minando as possibilidades de tratamento e, conseqüentemente, a esperança de cura. Dessa forma, o tratamento é representado tendo como finalidade impedir o aparecimento dos sintomas. Nesse sentido, para os jovens estudados, enquanto apenas a condição de soropositividade é observada (sem sintomas), há esperança de vida. Exemplo de uma UCE típica da classe pode ser observado:
... vai tomando os sintomas, os sintomas vão aparecendo e morre. Mata. Ela (aids) transforma o HIV, ela é muito diferente, ela mata, o HIV é um vírus que fica ali, a AIDS não, vem direto bate e mata. ... (9m, 20 anos, G+)
O mesmo resultado foi encontrado por outro pesquisador(8), que afirma que o processo de transição da condição de soropositividade para a de doente com AIDS constitui um momento muito temido, no qual os entrevistados lutam desde que recebem a confirmação do diagnóstico, tentando retardá-lo ao máximo. Essa transição do HIV à AIDS indica um agravamento no estado de saúde, aproximando-as do sofrimento que delineia o processo de morrer e dos sentimentos que o perpassam, constituindo-se no momento em que se estabelece a fronteira entre a vida e a morte.
CLASSE 2: A AIDS como distinção entre o normal e o patológico
Composta por 61 UCE (10,65%), esta classe apresentou associação estatisticamente significativa com adolescentes não-portadores do HIV/AIDS, do sexo feminino e reflete as representações da AIDS projetada pelos jovens ao se imaginarem, ou ao imaginarem o outro, como portadores do HIV/AIDS. Através das UCE e das palavras típicas da classe, observa-se uma distinção entre a vida sem o HIV (normal) e a vida com o HIV (patológica).
Conforme o relato abaixo, os sujeitos retratam os aspectos relacionados à descoberta da soropo-sitividade, os sentimentos vivenciados pelas pessoas acometidas pelo HIV/AIDS, incluindo o momento anterior à descoberta da doença, as decisões tomadas para o enfrentamento da vida com AIDS e as conseqüências da condição de soropo-sitividade para o seu cotidiano. Observa-se, portanto, uma descontinuidade nas representações sobre a vida anterior e a posterior ao diagnóstico.
Exemplo de uma UCE típica da classe pode ser observado:
Eu acho que era muito desespero, muito, porque eu sabendo que tenho uma vida saudável, sem problemas, faço o teste de HIV e dá positivo, eu acho que eu abandono tudo porque é muito difícil pensar, ... no mínimo elas, (pessoas portadoras do HIV/AIDS), devem ter vontade de se matarem porque a vida é muito boa, mas sem saber de alguma doença sem cura em você, quando você descobre uma doença com cura tudo bem, mas quando você descobre uma doença sem cura, a vida delas deve não ter sentido, .... (14f, 19 anos, G-)
O viver com aids foi retratado nesta classe como insuportável, mesmo que num plano hipotético. Observa-se que os entrevistados fazem menção a sentimentos variados, que supostamente são vivenciados pelos portadores do HIV/AIDS, expressos pela "vontade de se matar", pelo "desespero", pelo "abandono a tudo", por uma "vida sem sentido", pela "impossibilidade de viver", pelo "medo de relacionar-se com o outro", dada a possibilidade de haver discriminação e preconceito, além do risco de transmitir a aids para o parceiro/a.
Os entrevistados mencionaram os sentimentos de culpa e o medo da rejeição por parte do outro, levando a pessoa acometida pelo HIV/AIDS ao isolamento. Portanto, manter em segredo a condição de soropositividade e não querer ser visto pelos outros como portador do vírus, contribui para a segregação gerada pela doença.
Por ser a AIDS uma doença cuja principal forma de transmissão é a sexual, "pode fazer com que o estigma de ser portador do HIV seja algo que, na maioria das vezes, a pessoa deseja esconder(8)".
CLASSE 3: A AIDS e os relacionamentos interpessoais
Esta classe, composta por 92 UCE (16,06%), apresentou associação estatisticamente significativa aos portadores do HIV/AIDS. Os seus conteúdos, evidenciados pelas palavras de maior associação à classe, apontam para a dimensão afetiva da representação social e refletem uma concepção da AIDS como uma doença incurável, perigosa que gera nos adolescentes dúvidas, medo e insegurança acerca de sua aceitação entre os demais, portanto dificuldades nos relacionamentos interpessoais.
Os adolescentes soropositivos referiram que mantêm em segredo a sua condição, afastando-se das pessoas por medo da rejeição, da discriminação e do preconceito por parte dos que estão ao seu redor. Exemplo de uma UCE típica da classe pode ser observado:
... essa pessoa vai e espalha para outras pessoas... porque isso é uma coisa séria, não é uma bobeira, isso é uma coisa séria que na época poderia destruir a minha vida, porque eu não sabia lidar com isso e, se outras pessoas também ficassem sabendo, eu não saberia na época lidar com o preconceito, seria difícil para a minha família, ... (11f, 20 anos, G+)
Os indivíduos soropositivos são vistos socialmente como portadores de um estigma, sendo excluídos da sociedade que os designa como "pessoas desacreditadas", "não confiáveis"(9). Esse achado é corroborado por outro autor(10) que refere que, os grupos-de-fora, bem como suas práticas, são associados à origem da doença. Assim, "o outro" passa a ser visto como o gerador do problema, de forma que as pessoas, ao elegerem culpados, se isentam dessa responsabilidade.
A associação da AIDS com a noção de grupos de risco observada no conhecimento do senso comum, e o peso conferido por algumas campanhas educativas aos comportamentos sexuais, fazem com que as pessoas, de uma maneira geral, se definam como "socialmente bem-comportadas"(11), isentando-se da responsabilidade pelo contágio e pela sua prevenção.
CLASSE 4: Vida Social na Adolescência
A quarta classe, composta por 163 UCE (28,45%), refere-se ao cotidiano e à vida social dos adolescentes. A palavra de maior associação à classe foi estudar, com freqüência 30 e estatística c2 observada igual a 71,01, seguida das palavras brincar, casar e trabalhar. O conteúdo dessa classe revela a fala dos jovens sobre o seu cotidiano, não especificando associações com a AIDS. Representa, portanto, um conteúdo consensual do grupo pesquisado.
As relações interpessoais estabelecidas com o grupo de amigos, tanto da escola como da comunidade em que vivem, e com a família, bem como as opções de lazer (brincar, jogar bola, andar de bicicleta, jogar vídeo game, tocar pagode, brincar de pique, ir ao shopping, ir à praia e sair para dançar), refletem um conteúdo positivo do universo pessoal do adolescente, presente nas diversas atividades cotidianas e sociais destes e os vínculos que os mesmos estabelecem com a vida, conforme revela a UCE típica da classe:
Brincar, eu gosto muito de brincar com meus amigos, meus irmãos, meus primos, gosto muito de brincar. ... Jogo futebol, pique. Onde eu moro tem uma rua com espaço para brincar. Eu jogo futebol, brinco de pique, essas brincadeiras boas. (15m, 14 anos, G-)
As relações de amizade citadas pela maioria dos jovens integram o espaço da escola, da comunidade em que vivem e da própria família, uma vez que irmãos e primos são reconhecidos como integrantes do grupo de amigos. O sentido de amizade que prevaleceu nas falas dos entrevistados está relacionado ao convívio diário e às atividades sociais dos mesmos, sendo as opções de lazer realizadas em grupos, conforme o esperado em função das características da adolescência.
O adolescente tem necessidade de estar inserido em um grupo(12). O destino dessa necessidade depende das possibilidades que lhe são oferecidas pelo ambiente em que cresce e do tipo de grupos que estão à sua disposição. Tais amizades podem ser benéficas, ajudando os jovens a realizarem seus anseios e aspirações ou, ao contrário, ser danosas, um lugar onde, amparados pelo grupo, podem ter fortalecidas atitudes de agressividade.
CLASSE 5: Conhecimentos e práticas acerca do HIV/AIDS
A quinta classe, composta por 126 UCE (21,99%), associa-se a adolescentes não-portadores do HIV/AIDS. Pelas palavras típicas desta classe, observa-se que os adolescentes conhecem as informações básicas sobre as formas de contágio e de prevenção do HIV.
Nesse sentido, pode-se afirmar que os jovens incorporaram as informações, tanto as ligadas às formas de contágio, quanto às formas de prevenção, mais difundidas pelas campanhas de educação em saúde. Quanto às formas de contágio, são destacadas relação sexual, uso de drogas injetáveis, transfusão de sangue.
Exemplo de uma UCE típica da classe pode ser observado:
Através do sexo, tanto via oral quanto penetração, através de seringas, transfusão de sangue, de mãe para o filho, leite materno, são as formas de pegar. (7m, 17 anos, G+)
No que diz respeito às formas de prevenção, são destacadas: evitar grupos de risco, uso de preservativo, realização de exame periódico, uso de seringas descartáveis. Vale destacar que todos os adolescentes entrevistados ressaltaram o uso da "camisinha", como método principal para a prevenção do HIV.
Entretanto, os entrevistados referem que conseguem assimilar todas as informações veiculadas pelas campanhas de prevenção, revelando a pouca comunicação efetivamente estabelecida sobre o assunto nos meios de comunicação, nas instituições de saúde e de ensino e na família. Pode-se observar um exemplo na UCE:
Acho que na escola tem um cartaz que fala: desse jeito pega AIDS, desse jeito não pega, tem um monte de coisas, mas o que eu sei é que se fizer relação sexual e a pessoa tiver AIDS pega. (15m, 14 anos, G-)
Os adolescentes definem a AIDS como uma doença séria, contagiosa, sexualmente transmissível, incurável e que mata. Demonstram estar conscientes da necessidade de se cuidarem e se protegerem, no entanto, não revelam qualquer conhecimento sobre as formas de desenvolvimento da doença, sua evolução e processos destrutivos sobre o organismo humano. Observa-se que os conteúdos revelados pelas representações dos jovens caracterizam-se como um conhecimento superficial, fragmentado, pouco específico no plano cognitivo, retratando o perfil das informações contidas nas campanhas de prevenção veiculadas pela mídia.
Há ocorrência entre os jovens de uma "apropriação fragmentada do conhecimento, portanto, impróprio ao desenvolvimento de práticas preventivas eficientes", denotando os equívocos da construção social do fenômeno AIDS(13). De acordo com o autor, ou os programas educativos não estão sendo capazes de possibilitar a estruturação deste conhecimento, ou não se tem conseguido proporcionar, através dos programas, a transmissão de um conhecimento mais estruturado.
Ao analisarem a alta vulnerabilidade dos adolescentes ao HIV/AIDS, aponta-se que o conhecimento que os mesmos têm sobre a AIDS diz pouco respeito aquilo que sentem e vivem no seu cotidiano(14). Ou seja, há informação, mas pouca abrangência e efetividade da comunicação com os jovens sobre o assunto, na medida em que essa comunicação não encontra ancoragem nas representações dos adolescentes.
Quando questionados se conheciam alguém com AIDS, a maioria dos adolescentes referiu não conhecer casos concretos, revelando que a AIDS aparece como uma doença distante para o grupo, que não implica em práticas pessoais com a doença.
As pessoas que conhecem ou conheceram pessoas próximas acometidas pelo HIV/AIDS se preocupam em identificar a forma ou o veículo de contaminação, como um mecanismo para diferenciar e marcar a distância – simbólica - em relação à doença(11). A distância também tem um sentido distinto – geográfico e físico -, ao ter sua origem atribuída à "outros meios", espécies ou países(15-17).
Constata-se, portanto, que para a maioria dos entrevistados, a AIDS aparece como algo distante, não fazendo parte do cotidiano pessoal e social dos adolescentes, sendo essencialmente uma doença "do outro"(15-17).
No plano das práticas adotadas pelos jovens, observa-se que estas são determinadas por conteúdos representacionais que pouca aproximação estabelecem com o conhecimento cognitivo descrito. Ao se referirem às práticas de proteção, observa-se que "conhecer o parceiro" parece funcionar como barreira ao contágio, sem especificar o significado desse conhecimento. Dessa forma, supõe-se que a "camisinha" seja adotada, somente no início do relacionamento. Segundo os relatos dos adolescentes, a partir do momento em que se estabelece com o parceiro uma relação de confiança, o uso da "camisinha" pode ser dispensado. Dessa forma, a troca de parceiros e as relações casuais foram apontadas como um fator que dificulta o estabelecimento dessa relação de confiança, portanto de "conhecer a pessoa". Pode-se observar um exemplo na UCE:
Transar sem camisinha, ficar indo direto em boates, trocar de parceiro, não conhecer a pessoa e ir logo tendo relações sexuais sem a camisinha.(6m, 17 anos,G-)
Nas referências às práticas desenvolvidas por portadores e não-portadores, observa-se a atribuição de responsabilidade pela proteção da AIDS retratada nas entrevistas, enfatizando o discurso veiculado pelas campanhas de prevenção, no qual pegar ou não o vírus depende exclusivamente de escolhas pessoais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise do material discursivo possibilitou acessar informações acerca do conteúdo da representação social da AIDS, no grupo estudado. Dessa forma, conclui-se que as palavras "sintoma", "doença", "sofrimento" e "morte" constituem elementos que estruturam essa representação entre os adolescentes e refletem um conteúdo negativo, no qual a AIDS é representada como uma "fatalidade", "uma doença que não tem cura e que mata".
No que diz respeito ao conhecimento apreendido pelos jovens sobre o HIV/AIDS, observa-se que este se caracteriza pela memorização e reprodução das informações sobre as formas de transmissão e os meios de prevenção do HIV e, sobretudo, pela ausência de conteúdos acerca do processo de desenvolvimento da doença, ou "de transformação do HIV em AIDS".
Esse processo de transformação, que assume sentido mágico nas representações analisadas, está provavelmente ancorado nessa fragmentação de conhecimentos sobre o processo patológico, conhecimentos esses de domínio dos profissionais de saúde, que não são repassados ao público em geral, o que permite a criação de um hiato de conhecimento entre a transmissão da doença e o final do processo – a morte. Essa lacuna é preenchida por um sistema de significações, que tem a função de reduzir a tensão psicológica diante do desconhecido e de funcionar como defesa diante da ameaça de morte.
Essa construção reflete a forma como os adolescentes se posicionam frente ao risco de contrair o HIV e a existência da AIDS no seu cotidiano. Enquanto não se têm respostas efetivas que possibilitem a cura do HIV/AIDS, os adolescentes desenvolvem mecanismos cognitivos e afetivos para defender-se da mesma, afastando-se simbolicamente da doença e da morte. Desta forma, observa-se que as práticas de proteção dos jovens estudados estão ancoradas na representação social do HIV/AIDS, além de informações, embora fragmentadas, transmitidas através das campanhas de educação em saúde.
Assim sendo, considera-se que o perfil da representação social caracterizado traz implicações para as práticas de saúde em geral e em particular para as práticas de enfermagem. Entende-se que as ações de enfermagem para a promoção da saúde, particularmente para a prevenção do HIV/AIDS junto à população adolescente, devem estar pautadas, ao mesmo tempo, na heterogeneidade e na especificidade da representação do grupo social ao qual se destina, distanciando-se das prescrições educativas genéricas.
As considerações feitas apontam para a necessidade de capacitação pedagógica e preparo teórico-metodológico dos profissionais que desenvolvem atividades educativas com adolescentes. Ao se proporem estratégias de educação em saúde, deve-se considerar a importância do desenvolvimento de atividades dinâmicas e participativas, considerando a faixa etária, a orientação sexual, as diferenças sócio-econômicas e culturais, as representações sociais sobre a AIDS, que caracterizam a maior ou menor vulnera-bilidade do grupo ao HIV/AIDS. Ressalta-se também que no trabalho com adolescentes portadores do HIV/AIDS devem-se traçar metas diferenciadas, de acordo com a sua condição sorológica e o estágio da doença.
O profissional de enfermagem, ao planejar e ao desenvolver ações junto à população adolescente, principalmente atividades educativas, deverá estar aberto ao diálogo e sensível para perceber as necessidades do grupo, de forma que os conteúdos abordados atendam às expectativas dos próprios adolescentes. Conforme observado nesta pesquisa, as necessidades apresentadas pelos adolescentes devem diferir para os portadores do HIV (não doentes na concepção dos jovens), e para o grupo que se encontra com sintomas da AIDS (doentes para os jovens). Não se trata aqui apenas de discutir quais são as necessidades físicas de cuidados; mas, sobretudo, de refletir a partir de quais conteúdos as necessidades psicossociais se estruturam e a partir de quais estratégias poderão ser atendidas ou transformadas.
Portanto, a partir dos resultados deste estudo, preconiza-se que o enfrentamento do problema se dê dentro de uma visão coletiva e que as práticas de enfermagem instrumentalizadoras desse enfrentamento devam buscar a construção de um processo de cuidar alicerçado nas significações do grupo de adolescentes, buscando reduzir as distâncias entre práticas, representações e o conhecimento científico disponível.

REFERÊNCIAS
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sexta-feira, 21 de março de 2008

Na América Latina e Caribe existem mais de 500 mil órfãos que perderam os pais por causa da aids. Doença agora atinge mais jovens e mulheres

Na América Latina e Caribe existem mais de 500 mil órfãos que perderam os pais por causa da aids। Doença agora atinge mais jovens e mulheres .